Capítulo 3 - Monte Roraima – O Grande Verde Azulado
(04-12/fev/2005 – Carnaval)
Procurando minhas anotações desta viagem, e o texto que eu havia postado
no site, comecei a relembrar essa aventura e senti saudades da beleza dessa
região...já deu vontade de voltar!!! Vamos planejar? ;)
Acho que a primeira vez que ouvi falar do Monte Roraima foi na década de 90,
numa revista de bordo da Varig (acho que tenho até hoje!). Na capa da revista aquele tepui lindo no fim do mundo, com histórias de um mundo perdido...eu
tinha de dar um jeito de conhecer! J
Monte Roraima visto da trilha da entrada do Parque.
Roraima é o estado mais ao norte do Brasil, faz fronteira com a
Venezuela e com a Guiana, bem no meio dos três países está o Monte Roraima. E lá no topo deste tepui, montanha em forma de mesa, se encontra o “Ponto Triplo”,
que delimita as três fronteiras.
Eu saí no meio de uma correria no trabalho, uma semana cansativa, de várias noites com poucas horas de sono. Os voos também não ajudam e foi uma
sequência de noites mal dormidas para entrar na expedição. Saímos de Boa Vista (5fev, 5am local) com destino a Santa Elena de Uairén, na Venezuela. A estrada é
linda! Acho que chegamos lá por volta das 10:30hr. Aí fomos esperar o jeep que
nos levaria para o Parque, fazer compras (comida!), encontrar os outros colegas
da expedição...Fiquei surpresa, pensei que encontraria tudo pronto, só
esperando a minha chegada, única ‘turista’ da aventura!!
Imagina, todo mundo me achando uma louca – carnaval no Monte Roraima,
onde é isso???
Os outros dois colegas da expedição: José Caracas, o guia, Carlos, o
cozinheiro, e ainda foi preciso contratar mais uns índios da aldeia Paraitepuy,
na entrada do Parque Nacional Canaima, para levar um pouco da comida lá pra
cima. Foram 7 dias de expedição para conhecer “O Grande Verde Azulado”,
significado do nome Roraima na língua indígena local.
Parque Nacional Canaima, entrada, onde se negocia com os índios que ajudam a carregar a comida das expedições. Ficamos aí até a chuva começar, pra então, entrar na trilha!!
Entramos na grande savana, como se chama a vegetação por aqui, tudo
muito verde e sempre com muitas nuvens. Nuvens estas que garantem os mistérios
que cercam os tepuis da região, inspirando um livro famoso de Arthur Conan Doyle, “O
Mundo Perdido”, e alguns filmes também.
Vindo para esta região, nem com muita reza se
pega um dia sem chuva! Ainda me lembro que fiquei horas esperando as ‘negociações’
com os índios, na entrada do parque, enquanto o sol brilhava, e depois, assim
que a chuva começou, pesada, o guia virou e falou – vamos! Eu, tolinha,
perguntei, mas não dá pra esperar a chuva passar? Ele respondeu – não, aqui é sempre assim! Kkkk, minha primeira
expedição na região ‘equatorial’, descobri que o normal é estar na chuva!
Primeiro acampamento, nas margens do Tok...
O Carlos e o José (de costas) aproveitaram o espaço pra fazer a nossa janta!
Mas, para compensar, tem a beleza deste lugar
ímpar no planeta, com várias espécies endêmicas de plantas, insetos diferentes,
a vista dos tepuis com várias cachoeiras, nuvens - é LINDO!
O começo da trilha é tranquilo, plano, mas
debaixo de chuva, e com o meu cansaço parecia que não chegaríamos nunca no
lugar do acampamento. Tudo, tudo molhado! Só me salvei com algumas coisas na
mochila sem molhar porque o José deu uma geral na minha mochila antes de
partirmos e me deu um super saco plástico para colocar a maioria das coisas
importantes.
As Stegolepis Guianensis.
O primeiro acampamento é no Rio Tök (tec =
pedra), chegamos lá sem chuva e ainda consegui fazer umas fotos no entardecer. Na
trilha já vi que a viagem seria uma aventura molhada, cruzamos com outros
aventureiros e tive essa certeza! Esse acampamento foi um marco! Descobri
formigas gigantes, que aparecem com as primeiras chuvas, os índios as comem, é
o bachaco! Outro bicho que parece um marimbondo gigante, que consegue comer
taturanas...kabaibagua, foi isso que eu anotei. Chegamos lá por volta de 5pm,
~15km de trilha (3:45h) e nada de comida, nada de barraca! O guia me indicou um
banho no rio, pra já trocar as roupas molhadas. Quase fui comida viva pelos
mosquitos!!! Eu não acreditava naquilo J! Afinal, era uma
aventura...
Vista do Kukenán do acampamento base.
Bom, troquei de roupa, e fiquei dentro de uma
cabana que usam para cozinhar, peguei meu caderninho para fazer os registros
(9:20pm), e fiquei esperando a comida e a minha tão
sonhada BARRACA! Eu precisava dormir desesperadamente!!
O segundo dia foi fantástico – não choveu (6fev)!!!!
O Roraima apareceu, e os encantos do lugar também. Saímos do Tök 8:20h,
chegamos no acampamento mais perto da base do Roraima às 12h. Eu queria
continuar a trilha e subir, mas parece que o planejado é dormir nesse local, e
pra variar, os carregadores (índios) só apareceram com a comida 3:30pm!!
Essa igrejinha fica na trilha do segundo dia...
Acampamento base. Daí temos de subir por uma erosão, passar pela floresta e chegar no paredão.
De dentro da minha barraca!! Num dos raros momentos sem chuva!!
Olha só a diferença do cenário quando tem sol, digo pôr-do-sol!! LINDO!
Entardecer com vista para o Kukenán.
Aproveitei para curtir o sol, um banho no riacho
que passava ao lado da barraca, o pôr-do-sol vendo os paredões mudar de cor e
ficar tudo avermelhado – céu, pedra, tudo – LINDO!
Enfim, no dia seguinte, chegou a hora de encarar
o paredão J! Subimos em 3h. A primeira
parte da trilha estava muito lamacenta e íngreme (na verdade é uma super
erosão!), depois entramos na floresta e seguimos até a base do paredão. Quando
olhei pra cima não acreditei!! Fantástico! E tudo cercado de flores, bromélias,
orquídeas...Subimos por uma ‘escada’ gigante. No meio da subida, adivinha? Chuva! Quando cheguei no topo, ~2.750m, não acreditei no
visual! Realmente, parece outro planeta! Mas, a friaca não deixou explorar
nada, só procurar um abrigo e dar um jeito nas coisas.
Nesse dia descobri que estar nas nuvens significa, literalmente, estar
molhada! :D
Vista da floresta, com a trilha abaixo, e lá longe, no clarão maior, o acampamento base...e dá-lhe chuva!!
Chegada no paredão!
Quando chegamos no cume! Chuva, e o José com sua super mochila.
Acampamento uno...isso mesmo, a gente se abriga nos buracos das pedras!
La rana negra é endêmica: Oreophynella Quelchii.
Quando a chuva parou e o sol ameaçou aparecer já saí correndo para
conhecer os jacuzzis! A friaca passa e a energia reaparece! Saí com os guias (o
Carlos era muito melhor que o José...era o contador de histórias!) e fomos conhecer o vale dos cristais. Me
dei conta de que todo o tepui é um jardim de pedras, forrado de flores, bromélias, líquens, plantas
endêmicas, há cristais por toda a parte, é LINDO!
As flores são um show a parte, cada uma mais diferente e linda que a outra.
No vale de cristais...
Esse é um dos jacuzzis...o problema todo é encarar um banho gelado na maior friaca!!
As nuvens entram e saem o tempo todo, e até isso ajuda o lugar a ficar
bonito, apesar do frio. Tive de correr pra tentar conseguir umas fotos do
Kukenán e dos jacuzzis cheios de cristal antes de anoitecer. O ponto mais alto
do tepui fica na pedra chamada Maverik, 2.810m, bem perto do labirinto onde acampamos.
Trilha no segundo dia...nuvens, pedras, água, alagados, verde. Outro planeta!
A travessia do tepui é um sobe e desce constante
nas pedras, e quase sempre com chuva! Vamos acampando em “hotéis” – buracos nas
erosões das pedras, e encontrando em cada lugar uma flor diferente, passando
por vales de cristais, alagados e formações esquisitas de pedra por todo lado!
No quarto dia, meu joelho sentiu o sobe e desce
nas pedras, a topologia é essa, só pedras, alagados, e tudo molhado. Pelo menos
não choveu na trilha J! Passamos pelo El Fosso, chegamos
ao Ponto Triplo, e seguimos para o nosso ‘hotel’, o coati. O lugar é o máximo! Um
monte de pedras e buracos, onde os guias escondem a comida, armam rede, e eu
escolhi armar a barraca num jardim de inverno (imagina!). Depois das
obrigações, fiquei lagarteando numa pedra, alucinada com o visual da região.
Bom, o Carlos saiu na frente da gente e se
perdeu, então, enquanto eu lagarteava o José foi atrás dele. Quando chegaram, a
chuva chegou junto!! Sabe a explicação: o José gritou muito procurando o Carlos
J!!! Demorou...Aliás, com
chuva o tempo todo acho que não tenho mais quase nada seco L. Isso é dureza!! Bota,
papete, roupas, mochila, tudo molhado...Nessa altitude o frio também pega, e
com a umidade parece mais frio ainda.
Essa é minha barraca no meu jardim de inverno, no meio das pedras :)
Mais uma bromélia linda...
São tantos detalhes por toda a parte...
No dia seguinte, 9fev, eu pensei que a gente
fosse finalizar a travessia do platô do tepui, passando pelo lago Gladys, mas, pelo
tempo necessário para chegar até lá, retornar e começar a volta, teríamos de
fazer muito bem tudo em umas 10h. É bem puxado, e muito difícil com chuva. O
tempo certo para a expedição, segundo eles, é de 8 dias. A minha tinha 7, mas,
isso tudo depende, na verdade, da programação deles. É pouco tempo nas trilhas,
muito tempo de descanso, e o tempo é mal aproveitado, tanto no segundo dia que
daria para subir, quanto aqui em cima que as trilhas duram umas 4h. Daria sim,
para fazer toda a travessia em 7 dias, ainda por cima que eu era a única ‘cliente’,
não tinha um grupo de pessoas com diferentes condições e vontades. Mas, segui
as ‘ordens’. Andamos um pouco mais na região, fomos até o portal do Roraiminha,
que não apareceu por causa das nuvens, vimos umas flores endêmicas, e
retornamos por outro caminho.
Lá em cima é muito fácil se perder! Pois, é tudo
igual em volta, pedras pra todo lado. É complicado ter referências. Quando as
pedras estão secas (raridade) é possível identificar o lugar por onde passamos,
pois há uma marca mais clara nas pedras, mas, como em regra fica tudo molhado,
o que ajuda é nomear as pedras e colocar totens.
Lá em cima esse é o cenário padrão!
Há partes mais alagadas...
E muitas plantas endêmicas! e carnívoras...
Passamos por outro vale de cristais, mas dessa
vez com uma singularidade, tinham formato de pênis! Nesse dia o sol apareceu
forte, depois entramos nas nuvens, e chegamos no primeiro acampamento (Uno) já
com chuva. O dia foi bem cansativo, andamos umas 6:30h! E como eu estava com as
botas e as meias molhadas, as bolhas apareceram e tornaram o sobe e desce um
tormento. L
Não consegui fazer boas fotos dos tepuis em
volta, principalmente do Kukenán, com suas várias cachoeiras, pois o entorno
estava sempre encoberto com as nuvens. Nessa altura do campeonato meu humor não
estava dos melhores, mas amanhã já começa a descida, e vamos parar somente no Tök.
Pra variar o dia amanheceu com chuva!! Pegamos toda
a descida com chuva. A última parte, que é uma super erosão, virou uma enxurrada
de lama! Foi preciso muito cuidado com os escorregões pra não machucar. Paramos
no acampamento base para comer, e seguimos. Mais na frente uma surpresa! O rio
Kukenán, que na ida foi super tranquilo de atravessar, virou um rio enorme com a chuvarada! Tinha
uma família de venezuelanos do outro lado sem coragem para atravessar, mas
encaramos. Fui junto com o Carlos, que teve de me ajudar pra eu não ser
carregada pela correnteza! No final, teve comemoração, junto com os
venezuelanos J. Seguimos até o Tök, onde,
aí sim, quase no final da expedição tivemos até cerveja pra comemorar!
Tá vendo um rio de lama sob meus pés...acampamento base na volta!! a trilha é isso...
No Tök encontramos vários grupos de gringos
preparados para a subida! Espero que eles tenham vindo preparados para a
chuva!! Na noite o céu abriu e fiquei curtindo o visual e me despedindo desse
pedaço maravilhoso do nosso querido planeta!
É sempre muito legal ver a animação do pessoal
saindo, tudo limpinho, sequinho, e olhar para a sua condição na volta – imunda,
molhada, cansada...mas, se perguntar, sempre vou responder que faria tudo de novo!!
No dia seguinte, faltava pouco, e foi fácil, com
aquele sol!! Duvido que lá em cima esteja desse jeito!! :/
Na trilha voltando e olhando para trás, os tepuis, dá até vontade de começar tudo de novo! Quem sabe não teria mais sorte com o tempo?!
Chegamos cedo, fiz a trilha muito rápido, numas
3h (vontade de chegar em casa?), e ficamos esperando o
Magno aparecer por umas 2h. Dei minha bota para o José, uns trocados para o
Carlos, me encantei com o colar de pedra do José, e na estrada comprei um
parecido pra mim. Como ele viu que eu gostei do dele, ele me sugeriu trocar! Achei
muito legal, e até hoje tenho ele como um talismã querido!
O visual do platô é lindo, e mesmo com tempo ruim é possível contemplar e cutir. MAS, infelizmente, aquelas vistas maravilhosas dos outros tepuis - NADA!! só nuvens :(
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