domingo, 26 de novembro de 2017

Trekking na Cordilheira do Atlas – Marrocos (01-15/out)

Procurando um lugar no fim do mundo para passar as férias? Que tal pra lá de Marrakech? Foi isso que eu escolhi! Fazer um trekking de nove dias pela cordilheira do Atlas, subindo a montanha mais alta da cordilheira, o Tubkal, e depois conhecer o deserto do Saara.

A cidade base para partida e retorno foi Marrakesh, que fica no sopé da parte norte da cordilheira, região conhecida como Médio Atlas. Da cidade é possível avistar as montanhas, e ter uma noção da aridez da região sul do Marrocos. A paisagem é desértica, e fica ainda mais ressaltada pela maioria das construções da cidade terem a cor avermelhada da terra. Por isso, Marrakech também é conhecida como a ‘Cidade Vermelha’.

Rua do centro, perto de uma das entradas da medina.

De manhã logo cedo, antes das lojas abrirem e da multidão ocupar o espaço.
  
A curiosidade era grande, meu primeiro país mulçumano, muitas dúvidas sobre como me vestir e os comportamentos mais comuns. Apesar de as grandes cidades serem muito parecidas por causa da globalização de tudo, algumas culturas ainda se mantêm com algumas reservas e isso exige alguns cuidados básicos.

Voei pela Royal Air Maroc e não recomendo. Acho que foi a pior companhia que já voei. As aeronaves são muito antigas, parece mesmo que vão cair uns pedaços pelos ares! Mas, como fiz minha reserva com bastante antecedência, o preço deles era bem melhor que o das outras companhias, e o tempo do qual dispunha estava contato, não valia a pena fazer voos com outras escalas (mais tempo e mais cansaço!). Sempre escolho os voos mais diretos, e, em regra, são com as companhias locais.

Bom, deu tudo certo. O voo era de SP para Casablanca, de lá com um turboélice para Marrakech. Um avião pequeno, apertado e que parecia que não aguentar o peso de todas as cadeiras ocupadas e mais um montão de bagagens! Aliás, a Air Maroc permite 2 bagagens de 32Kg! Parece que a regra é viajar para fazer compras (e vale a pena!)...mas, fique de olho, porque na volta eles queriam me cobrar, dizendo que eu tinha direito a apenas uma bagagem de 23Kg. Na verdade fui com 16 e voltei com 25...achei o fim da picada ter de mostrar o detalhamento do meu bilhete para a atendente! O voo de Marrakech para Casablanca, no dia da chegada, teve problemas em uma das hélices, que parou, e deu um baita susto na galera! A namorada de um dos colegas do grupo estava nesse voo, que seria provavelmente o mesmo avião que nos levaria. Tivemos um bom atraso no horário do voo.

Ficamos em um hotel longe da Medina, mas o transporte era fácil, apesar de aborrecido por ter sempre de negociar o preço (como tudo por lá). Cheguei à noite, morrendo de fome e jantei no hotel, com o grupo, que já estava praticamente todo lá.

Madrassa Ben Youssef

Vendedor de frutas secas na medina. Tâmaras e mais tâmaras...

Azeitonas.

A praça, bem vazia com o sol escaldante do meio dia... e os músicos encantadores  de cobras.

Tendas vendendo de tudo quanto há.

O dia seguinte era o único que teríamos em Marrakech, antes de seguir para o Atlas. Pela manhã tivemos uma visita guiada pela Medina. O guia explicou a origem da cidade, que não é árabe (islã), mas berbere, o povo do deserto, do norte da África. O nome deriva de uma expressão/palavra berbere que significa Terra de Deus. A Medina (cidade antiga) tem ~1.300 anos, é do século 11. Ele mostrou como a sociedade se organizava naquele espaço, da importância dos riads (jardins), mostrou como eles moravam, e os funduc, hotéis, que hoje são espaços dedicados ao comércio. Visitamos uma das principais construções de Marrakech, a Madrassa Ben Youssef, que era considerada a mais importante escola teológica (medersa) do norte da África, que fica dentro da Medina. Lá ele explicou como eles faziam os ‘azulejos’ e todos os arabescos que decoram a construção, típicos da cultura árabe.

Tapetes e puffs (e outros objetos de couro) são tradicionais...

Assim como as cerâmicas e os objetos de latão.

Eu amo romã! mas, o mais comum é o suco de laranja, que é bem mais doce que a nossa e muuuito barato!

É muito fácil se perder na Medina, um monte de ruazinhas lotadas, empilhadas de coisas, mas é fácil conseguir chegar à praça central, a Jemaa el-Fna, que é uma coisa de louco, fantástica! Encantadores de serpentes, macacos e outros bichos para fazer fotos, vendedores de tudo quanto há, 
temperos, barracas de suco de laranja e romã...uma loucura! Eu gostaria de ter tido mais tempo, para sentar em algum canto e ficar só observando aquilo tudo. De lá é possível seguir para a Mesquita Koutoubia, mas, em Marrakech só é permitido entrar homens mulçumanos! Mulher não chega nem na calçada L!
Esse era um funduc, que hoje é cheio de lojas. Mas, dentro da medina tem alguns hotéis muito legais. Principalmente, por cultivar a arquitetura e os jardins tradicionais.

Depois do almoço ficamos livres para andar pela Medina, compras, etc, sabendo que no dia seguinte seguiríamos para o nosso trekking e que tudo deveria estar pronto para sairmos cedo. Partimos de Marrakech de 4x4 em direção às montanhas, seguindo por vilas até chegar em uma estrada de terra, já nas montanhas, onde ficamos. O grupo era de 8 brasileiros, fomos em 2 carros e um deles quebrou e ficamos esperando por um tempo até que eles aparecessem, para seguirmos andando pela estrada, até o local do nosso almoço.

A alimentação durante o trekking foi muito boa, apesar de repetitiva, o que deixou vários enjoados...eu diria que até hoje eu não comeria um tajine kkkk, apesar de gostar! No almoço eles preparavam uma salada de macarrão com tomate, pimentão, azeitonas e sardinha. No jantar variava um pouco, mas o básico era o tajine ou cuscuz, os pratos típicos do Marrocos. Era possível comprar salgadinhos e biscoitos pelas vilas pelas quais passamos nas montanhas e também comprar água mineral.

O trekking começa mostrando a aridez das montanhas e a riqueza dos vales.


Nos vilarejos, as encostas são plantadas, e vimos muitos cactos, figos e oliveiras.

Olha que coisa mais linda! Vimos vários cenários desses...

O trekking é muito bonito, principalmente quando entramos no parque do Tubkal, quando as montanhas vão ficando mais altas. Todos os dias era ‘sobe e desce’, sem ganhar muita altitude, cruzando a cordilheira na direção do Tubkal, 4.167m, garantindo a todos uma ótima preparação para a escalada. Passamos por vilarejos, vimos a sujeira nas ruelas (muuuito lixo), as plantações nos vales, por onde os riachos correm gerando vida, vimos vários tipos de vegetação pelo caminho, de pinheiros a macieiras, até elas desaparecerem no caminho do cume. Observamos as cores das construções nas vilas, sempre obedecendo a tons terrosos e às cores presentes nas torres das mesquitas, que, com seus autofalantes sempre nos lembrava dos horários de oração para os mulçumanos, principalmente quando tocavam ao amanhecer!

No fundo dos vales sempre corria uma água, trazendo vida e alegria para os vales.

Nas vilas, a maioria vive do pastoreio. Aí um senhor vestido com a tradicional jelaba cinza. Não podemos tirar fotos nas vilas. Somente com permissão.

Muitas dessas construções servem apenas para abrigar os pastores e suas famílias em determinados períodos. A maioria é feita apenas de pedra.

As pintas brancas que aparecem na paisagem são ovelhas :)

Todo dia sobe e desce, quase não ganhávamos altitude.

Mais ovelhas...

Ficamos em acampamentos perto das vilas, algumas vezes em lugares nem um pouco adequados para camping. Por isso, questionei sobre a possibilidade de organizar o trekking ficando nos vilarejos, pois por mais simples que fossem teríamos a oportunidade de conviver com os locais, além de, certamente, ter um pouco mais de conforto. Não me importo de acampar, muito pelo contrário, eu gosto. Mas, em regra, em lugares remotos, onde não há infraestrutura, cercada de natureza. Ficar sem banho não é problema, mas sabendo que tem uma oportunidade de banho a meia hora de caminhada, eu prefiro ir!

Chegada a um dos acampamentos. Os carregadores e o cozinheiro chegavam um pouco antes. E, sempre tínhamos o chá de menta nos esperando :)
Isso mesmo, muito calor, mas não rola um suco, só o tradicional chá de menta!

Outro camping, dessa vez no meio de pinheiros. Nesse dia tinha uma bica maravilhosa perto.

Parando para o almoço debaixo das macieiras. As crianças dos vilarejos sempre corriam para ver os aventureiros...

Nesse vilarejo fizemos um camping de emergência. Foi o tempo de armar as barracas e a chuva cair...ficamos no meio de um campo arado dessas famílias...

Olha aí nossas barracas...

Parando para o almoço...

Mais um camping, agora já mais alto, com vista para a vila. Esse foi um dia de banho!

Pôr-do-sol nas montanhas.

Se foi...

Curtindo o visual em uma das paradas.

Essa é a geladeira das montanhas...água gelada corrente :)

Eu adoro esse visual das 'camadas' de montanhas.

Nossos cavalos pelos desfiladeiros.

E eles passavam em cada pirambeira....as fotos não dão a verdadeira dimensão das montanhas!

Nesse dia as crianças da vila subiram os 1.000m verticais correndo na nossa frente! Simples assim...eles fazem isso todos os dias :)

E ainda deviam ficar admirados com a nossa lerdeza kkkk!

Tudo que sobe, desce...

Na véspera do cume pegamos chuva durante o trekking para o campo base (3.100m). Um frio danado!! Eu fiquei encharcada, mochila, botas, roupa...nada segurou a água, pelo longo tempo exposta. Mas, a boa notícia foi que ficamos no abrigo e não nas barracas; depois de um bom tempo aguardando as negociações, deu certo! Nós e todos os outros montanhistas lotando o abrigo, aguardando as previsões do tempo para ver se sairíamos para o nosso tão aguardado destino final.

Passando por um aqueduto.

Muito visual!

Ultra trail do Tubkal!! Esses são os primeiros colocados da maratona, cruzando o colo das montanhas, 2.900m.

Keiko, minha companheira de trilha e barraca.

Chegando na vila onde organizaram o ultra trail...tinha até asfalto novo! Foi uma comilança de coisas diferentes!

Cena bizarra....lá vem os corredores, e no meio da trilha uma senhora com sua crianças e suas criações :)

Mais um corredor. Bravo!

Nas trilhas, já na parte mais alta do parque, alguns vendedores e nossa tradicional geladeira com os refri...

Eu :)

Visual do abrigo e das montanhas, já nevadas, quando chegamos no campo base, 3.100m.

Dia de cume.

Montanha nevada.

Chegada ao platô do cume.

Cume!

Estrutura metálica do cume.

A montanha estava nevada, o que não era esperado para essa época, mas isso agradou a todos, porque fica muuuito mais bonita! Saímos depois de todos os grupos, e a escalada foi tranquila. Chegando mais perto do colo para atacar o cume passamos por todos os grupos que saíram antes. Todos estavam bem, e fizemos o cume com facilidade. O tempo médio é de 8h de subida, e fizemos em 5h30. Curtimos o visual do cume e rapidamente o tempo começou a mudar...na descida pegamos uma nevasca, mas nos saímos bem, com alguns escorregões no gelo J!

Paramos no refúgio para pegar as coisas, comer e começar a descida para depois da vila de onde partimos. Pegamos todas as variações do tempo, típicas das montanhas, chuva, vento, sol, e, enfim, depois de um longo dia de caminhada, já ao anoitecer, chegamos a nossa pousada, último dia na montanha! Felizes, mas sem nenhuma gota de álcool para comemorar!! Bebidas são proibidas por lá. Poucos lugares nas cidades grandes têm autorização para vender bebidas alcoólicas. Não sou de beber, mas estava louca por uma cerveja, ou um vinho...tudo que não pode dá mais vontade, não é?!

No caminho do deserto...já com outro 'uniforme' :)

No dia seguinte eu já saí da pousada trocando o uniforme da montanha pelo do deserto, short e camiseta...uma alegria, até descobrir que estava indo para o inferno! Kkkk Muuuuita diferença de temperatura. Quando descemos das montanhas rumo ao deserto, passando pelas curvas e curvas da estrada, o calor aumentando, nada de ar condicionado no carro, foi punk! Dirigimos o dia todo, parando de vez em quando para comer e esticar as pernas, e chegamos no nosso ‘hotel’, dentro de um kasbah (área murada, fortificada), perto de Agdz, no fim da tarde. Como ainda tinha luz, saímos para dar uma volta e conhecer o kasbah, que na verdade, fora da área do hotel era uma pequena ‘favela’. Apesar da pobreza chocante, não era perigoso. Mas, ao sair do kasbah, ainda por cima de short e regata, tive a certeza de que deveria correr de volta! Melhor sempre respeitar as regras do local...e, ainda assim, podemos ter surpresas.

Os locais preparando e queimando cerâmicas.
Um dos kasbah que ficamos. Foto tirada do hotel.
Partiu deserto...

Primeiras dunas.

Nosso acampamneto - erg, visto das dunas.

As cabanas, um verdadeiro forno; fechando o círculo as colchas e a areia coberta com os tapetes. Uma fogueira ao centro, onde teve a cantoria à noite, quando todos estavam largados nesses bancos.

Olha aí nosso famoso chá de menta! e, azeitonas...

Na subida para o pôr-do-sol. Aquelas pintinhas no alto da montanha são pessoas...

Outro visual...um mar de dunas!

A galera apreciando o astro rei.

Lá vai ele...

LINDO! :)

Os almoços e jantares durante o caminho de ida e volta para o deserto foram em hotéis, e adorei todos eles. A comida no Marrocos é perfeita! Mesmo não estando acostumada com o tempero, que é marcante, é tudo uma delícia, e muito saudável. Para não esquecer dos tajines, trouxe o tempero deles, o has el hanout, uma mistura 35 especiarias!
Outra coisa muito legal no caminho do deserto são as tamareiras, que estão por toda parte. E o melhor, é só catar no chão para comer! Delícia J!

Bom, dirigimos praticamente dois dias para chegar ao deserto, no acampamento das dunas de Chegaga. As estradas são de areia e pedras, e o acampamento é uma área com tapetes e colchas cercando as cabanas com camas, um restaurante e uma área para banho. Isso mesmo, a água é pouca e salobra, mas tem banho!! J

Chegamos e fomos recebidos pelos berberes com o tradicional chá de menta, como todos os dias em que estivemos nas montanhas, e já nos preparamos para subir as dunas e ver o pôr-do-sol. Lindo, como sempre! Foi muito legal andar pela areia, com o sol mais baixo, e ter uma vista do horizonte de dunas e areia a perder de vista.

Quando retornamos já escurecendo, a minha esperança era que a noite esfriasse, como conta a lenda, mas depois de um bom tempo deitada nos bancos do lado de fora das cabanas, desisti e entrei porque o vento e a areia de fora estavam incomodando tanto quanto o calor de dentro. A parte boa de ficar do lado de fora é o céu. Maravilhoso! Também tivemos música berbere e fogueira por um tempo, mas, estava tão cansada que, eu pelo menos, preferia o silêncio e as estrelas.

Levantamos cedo, para seguir de dromedário pelas dunas para ver o sol nascer. Foi bem legal andar neles, que são dóceis e barulhentos! Sem falar que não gostam de andar em fila. Fica sempre um tentando passar o outro, e aquele balanço meio esquisito, coisas de marinheiro de primeira viagem...eu estava bem desajeitada! A duna que subimos para ver o sol nascer era bem mais íngreme que a do pôr-do-sol, foi divertido!

Nossa vez de dar uma volta nos dromedários....a caminho de uma duna para apreciar o nascer do sol.

Do alto da duna, o céu clareando, e lá embaixo, nossos camelos!

Um zoom nos camelos!

Olha aí que fofo!!!! :)

Na chegada para o café, fotos com nossos 'bichinhos'.

Tomamos o café da manhã quando retornamos, e foi um dos melhores da viagem! Depois, seguimos por mais quase dois dias para Marrakech. A minha expectativa era chegar ainda a tempo de voltar à Medina, queria ver se trazia algumas lembrancinhas. Foi bem apertado para conseguir, chegamos e saímos numa correria só para ver o que era possível fazer. Por fim, deu tudo certo, e pegamos um maravilhoso entardecer na praça Jemaa el-Fna, um dos mais bonitos da viagem. Outro desejo nosso era a tal esperada cerveja, que só conseguiríamos tomar no hotel! Então, cansados, mas felizes, seguimos de volta para o nosso jantar de despedida, com cerveja, é claro! J

No dia seguinte, cada um nos seus voos, retornamos para casa. Eu, já morrendo de vontade de comer nosso feijão com arroz, e tomar aquele café, que só tem aqui! Mas, agradecida pela experiência e pela convivência com alguns novos amigos.


DICAS:

- As diferenças culturais são bem interessantes, e precisam ser respeitadas, até por uma questão de segurança. Principalmente, para as mulheres, com relação à vestimenta.
- Adorei a comida, apesar de enjoar dos tajines e cuscuzes. Vale a pena os produtos derivados do leite das ovelhas e cabras. Até mesmo a carne, que não aprecio aqui no Brasil, lá é uma delícia.
- Eu não gosto e não sei pechinchar/barganhar, mas é assim que TUDO funciona por lá. Uma boa dica é começar pelo menos com a metade do preço...isso mesmo! Acho absurdo, mas...
- Vale a pena fazer uma viagens para compras, tem muita coisa linda e muito barata. Também não tive tempo para as cidades, não era o foco, mas recomendo pelo que ouvi dos colegas que ficaram mais tempo. Nesse caso, recomendo um guia, para que possa aproveitar e entender melhor a cultura.
- O trekking foi contratado via Venturas com a Morgado Expedições. Fiz algumas sugestões de mudança que são relevantes do meu ponto de vista, mas...se quiserem minha opinião, posso dar no privado.
- Antes de ir eu havia lido A casa do Califa e Nas noites árabes (Tahir Shah)e foi muuuito interessante poder observar alguns detalhes da cultura, como a forma de cumprimentar, os cafés que só tem homens, o chá de menta, as jelabas, tudo. :)