quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Bolívia

21jul/08ago 2015...e recapitulando 2008!

Essa foi a segunda vez na Bolívia...a primeira foi em julho de 2008, conto no final do post. Na Bolívia nada é ‘pequeno’! Aterrissamos em El Alto a 4.100m, descemos para La Paz, a cidade baixa, a 3.800m. Não temos nada parecido no Brasil...

Illimani (6.438m), o guardião de La Paz - vista do mirador Kilikili (3.800m).

Huaina Potosi (6.088m), vista do mirador do teleférico (4.100m).

É comum chegar e já sentir a respiração ofegante e o coração disparando para subir as ruas super inclinadas da cidade. Mas, de cara, o que mais chama a atenção é o trânsito – completamente caótico. As conduções são livres, não existe nenhuma regra. Então, eles param onde querem, o tempo que querem, e por aí vai...uma zona! Buzinas, gentileza. Na parte mais moderna da cidade a situação melhora um pouco. Mas, o fato é que não tem hora para o rush em La Paz.

Plaza Murilo, onde fica a sede do governo, legislativo e a catedral.

Museu e Basílica de São Franciso.

Fui encontrar com um grupo que iria fazer o curso de escalada em gelo com o pessoal da Gente de Montanha. Cheguei uns dias depois da turma, pois já havia feito este curso na Cordilheira Blanca, em 2009, e queria treinar e aclimatar para fazer as montanhas. Em princípio, iria com o grupo para o Huaina Potosi, e depois seguiria, em outra excursão, para o Illimani.

No meu segundo dia em La Paz consegui uma inflamação na garganta L, o que me deixou bem ruim no dia seguinte, dor no corpo, febre. Tive de entrar no antibiótico e no antitérmico para combater a infecção o mais rápido possível. A infecção atrapalhou o processo, nada fácil, de aclimatação. Os medicamentos alteram a bioquímica do organismo, e contribuem para retardar o processo, mas nessa altura do campeonato não tinha opção...

Em vez de fazer o famoso Chacaltaya para aclimatar, fiquei de molho tentando me recuperar, pois em seguida iria para a montanha encontrar com o restante do grupo (25), já aclimatado, participando do curso.

Rua que dá acesso a alguns museus e galerias.

Ruas típicas do centro.

O acampamento base do Huaina Potosi fica a 4.700m. O esquema da galera era aula teórica pela manhã e à noite e práticas à tarde. O refúgio oferece café da manhã, almoço e jantar, além de água quente e chá sempre. A sala para comer tem lareira. Os quartos são organizados com beliches ou colchões no chão. Além disso, o refúgio tem banheiros e um deles com ducha quente, mas nem sempre convidativa :D! De qualquer forma, isso é um luxo na maioria das montanhas.

Refúgio do campo base, com a represa Zongo ao lado (4.700m).

As noites foram divertidas, com as aulas e causos contados pelo Pedro Hauck e pelo Máximo Kausch. No primeiro dia de refúgio tive uma forte dor de cabeça e o estômago embrulhado à noite, ainda reflexo da má aclimatação, e ainda com o antibiótico. Em regra é assim, à noite tudo piora...dormir é bem complicado. Dor de cabeça, fome, sono ruim, isso é alta montanha! Na medida em que a aclimatação chega tudo melhora.

Quarto do refúgio.

No dia seguinte fizemos um treino de deslocamento no glaciar (26). No outro, eu e a Paula, que chegamos depois, fomos aclimatar escalando o Charquini. Uma escalada linda, com um super visual, onde chegamos aos 5.300m. Por lá, rolamos na descida treinando queda e tivemos a oportunidade de treinar uma escalada mais técnica para o cume. Nada complicado, e bastante divertido. O visual da trilha de acesso já compensa a escalada.

Visual da trilha de acesso ao Charquini.

Glaciar de acesso ao cume.

"Cume", 5.300m.

Esta ascensão foi importante no processo de escalar mais alto e dormir baixo para aclimatar, porque no dia seguinte já seguiríamos para o campo alto do Huaina, a 5.300m. E assim foi, campo alto e na mesma noite ataque ao cume (28-29/07).

Subindo a morena de acesso ao campo alto, com o visual do lago, represa, refúgio abaixo.

Morena ou moraina de acesso.

Curtindo a lua quase cheia no campo alto (5.300m).

A noite estava linda, limpa, sem vento, tudo certo para o ataque. Seguimos dividindo o grupo em cordadas de 2, praticamente todos conseguiram fazer o cume. Talvez um record brasileiro nesta altitude – 6.088m – só alegria!! O povo fala muito da pala chica, que tem uma escalada mais vertical, mas achei tranquilo. O que pega mesmo, já com os efeitos da altitude é a subida para o cume, também muito íngreme, e exposta. O pessoal da Gente de Montanha providenciou cordas nestes trechos, e uma alteração na rota para o cume, para garantir mais segurança e sucesso para os grupos.

Amanhecer na base da pala de acesso ao cume.

Acesso ao cume....

Dividindo o espaço do cume com a galera!

Pedro deixando um pouco do amigo Parofes no cume...

O acesso ao cume é muito legal, passamos por uma ‘ponte’ super exposta dos dois lados, e chegamos numa área pequena, onde ficamos amontoados curtindo o visual maravilhoso da cordilheira. No mesmo dia já descemos do cume para o campo base, e de lá seguimos para La Paz. Todo mundo cansado e com fome, a comemoração ficou para o dia seguinte com um jantar num restaurante argentino, excelente.

Aliás, pra comer bem em La Paz a gente ia em ‘restaurantes para gringo’: argentino, holandês, árabe, cubano...de típico da Bolívia só as batatas e o chá de coca. Eu fiquei uns dois dias com o rosto meio inchado, principalmente na região dos olhos. Isso nunca tinha acontecido, ainda era reflexo do processo de aclimatação. Li que estes edemas são gerados pela alteração na distribuição de sais e líquidos no corpo, mas tudo bem. Eu estava muito quebrada, sentia dor na nuca...precisava descansar.

No retorno para La Paz descobrimos que haviam roubado todos os sacos de dormir alugados para a expedição. Com isso, ficamos uns dias a mais em La Paz, antes de seguir para o Illimani. Aproveitamos a lua cheia maravilhosa e o pôr-do-sol neste período. Também demos a sorte de ver a Parada Folclórica Universitária (01/08), uma das maiores festas populares da cidade, e a entrada do mês de agosto.

Parada Folclórica Universitária de La Paz.

É uma produção colorida, simples e fantástica.

Agosto é o mês da pacha mama, da madre tierra. Nesse mês, nas quartas e sextas-feiras o povo prepara oferendas para a pacha mama. Ficamos num hotel ao lado do Mercado das Bruxas, e o movimento era enorme com as pessoas comprando vários kits de oferendas, até tarde da noite. O cheiro de palo santo (uma madeira usada como incenso) já indicava a rua do hotel. Além das tendas com os fetos de llama pendurados.

Fetos de llama pendurados nas tendas da rua.

Kits para oferendas...

O comércio livre e ambulante é típico no centro.

Seguimos para o Illimani dia (03). O programa era seguir de carro até o povoado de Pinaya, o mais próximo do campo base da montanha (~4.200m). O acesso ao povoado nos remete a um tempo muito remoto pela estrada, construções e estilo de vida dos povoados, e, apesar de cansativo por causa da estrada, tem um visual muito legal! De lá seguimos andando por uma região com llamas, carneiros, cavalos, plantações e montanhas até a base, que ainda tem bastante verde e água.

Illimani, visto do povoado de Pinaya.

Chegamos para a festa em comemoração à chegada do transporte público em Pinaya!

Crianças do povoado.

Trilha de acesso ao campo base.

Retornando ao campo base.

Pôr-do-sol :)


No dia seguinte (04), subimos para o campo alto – Nido Del Condores (~5.400m). Um campo muito pequeno, que deve acomodar uma dúzia de barracas fora do gelo. O banheiro é um problema...não dava pra encarar os penitentes e nem o penhasco...complicado! Mas, para compensar, o visual é impagável!

Na nossa descida cruzamos com vários carregadores.

Campo alto (5.400m), com nossas barracas.

Pôr-do-sol no campo alto.

A montanha é linda, com três ‘cumes’, muitas formações malucas no gelo, gretas, penitentes, e avalanches. Depois do amanhecer as avalanches são constantes por um período. O Illimani é considerado o guardião de La Paz, e é revenreciado pela cultura indígena. É uma das moradas dos Deuses.

Chegamos, o Máx tinha chegado na frente e as barracas estavam montadas. Organizamos as coisas e tivemos pizza de jantar. A ideia era levantar por volta das 2-3h e sair umas 4h para atacar o cume. Durante o dia comi pouco, à noite também, na madrugada um chá, e eu sentia um pouco de dor de cabeça. Saímos depois das 4h, e minha arrumação foi meio atropelada com as botas e crampons. Pegamos uma subida na saída com alguns penitentes, depois outra muito íngreme, e eu sofri muito pra encarar! As pernas pesadas, não achava um ritmo, parecia que carregava a montanha nas costas, a panturrilha reclamava...resumindo, desisti!

Sol nascendo do campo alto,

Huaina no entardecer...

Huaina no amanhecer...

Nessa hora não pensei no treino, não pensei em todo o tempo de preparo, nem na beleza da montanha...simplesmente, não tinha motivação. Quando chegamos perto de um colo e vi o que ainda tinha para subir e a condição que eu estava, completamente sem energia, essa foi a escolha. Não quis pensar no depois, pois sabia que seria punk!

Bom, voltei pra barraca, tentei me aquecer no saco de dormir e relaxar um pouco pra retomar a vontade de me mexer. No campo alto estávamos nós e uma dupla de bolivianos do Instituto Geográfico Militar, que saíram para o cume mais cedo. Acordei com uns carregadores deles que chegaram logo cedo. Depois vi os bolivianos descendo a montanha e quando eles chegaram nossos colegas já apareciam no alto descendo.

Foi muito legal ver a galera descendo depois da conquista do cume. Mas, eu estava completamente sem energia, a dor de cabeça tinha aumentado e eu acho que era de muita fome, não tinha energia. Mesmo tomando os gels que eu tinha levado e comendo umas barrinhas a fome me perturbou. Passamos a noite no campo alto e descemos no dia seguinte até Pinaya, onde o transporte nos esperava para La Paz. Nem preciso dizer que a única coisa que eu pensava era em comer...quem me conhece tem certeza disso!!!

Foto na lua cheia, de El Alto (4.100m).

Foto do mirador Kilikili.

Chegamos em La Paz, tomamos banho, entregamos o equipamento alugado e enfim, fomos comer J! Eu tinha mais um dia em La Paz, e fiz as compras e visitas que ainda não tinha feito nos dias entre as duas expedições. Na primeira vez em La Paz já havia feito alguns passeios...o melhor de todos é o downhill na estrada da morte - super recomendo!! Visitei também alguns sítios arqueológicos e os lugares mais visitados no entorno de La Paz: Chacaltaya (5.395m), Muela Del Diablo (3.720m), Vale de La Luna, Copacabana, Lago Titicaca e suas ilhas...

Vale de la Luna.

Escalando na Muela del Diablo.

Isla del Sol.

Barcos de totora ;)

3.345m de desnível vertical, em 64km...fantástico!

Estrada da morte...

Muitas curvas legais!

Dessa vez foram mais museus e igrejas: San Francisco; a catedral; Santo Domingo; Agustin (com uma ‘festa’ pagã com banda e tudo mais na porta); mirador Kilikili; museu de instrumentos musicais; banco central; de etnografia e folclore (fantástico); museu nacional de arte; e a galeria de arte do Mamanimamani, um artista indígena que representa a cultura andina de uma forma maravilhosa em suas pinturas. Tivemos a oportunidade de conhecê-lo, e ouvir um pouco das suas motivações.

Gorros, no museu de Etnografia.

Pinturas do Mamanimamani no centro da cidade, junto com outros artistas.


Tudo colorido! Adoro os gorros :)

Em 2008 fui com um colega que conheci na expedição do Pico da Neblina, o Geraldo, e outros dois amigos dele - Luiz e Léo, que já conheciam a Bolívia. A ideia era aclimatar e treinar para fazer o Pequeno Alpamayo e o Huaina Potosi. Durante o processo de aclimatação o Luiz  torceu o tornozelo (e mesmo com a reza da chola, não ficou bom), e o Léo passou muito mal e não conseguiu se recuperar para a escalada...ambos terminaram desistindo das expedições. Seguimos, eu e o Geraldo, com um guia boliviano, para o Condoriri. Contratamos o guia e tudo que precisamos lá mesmo.

Luiz, eu, Geraldo, Léo.

Huaina do Chacaltaya.

Cume do Chacaltaya.
  
A região do campo base é muito linda, acampamos ao lado do lago Chiar Khota, cercados pelas montanhas, o Condor, a Agulha Negra, o Alpamayo Chico...Escalamos o Cerro Áustria (~5.300m), para aclimatar, e no dia seguinte (12/07) atacamos o cume do Alpamayo. Primeiro fizemos o Tarija (~5.200m), um cume de pedra, de onde se vê melhor a pirâmide do Alpamayo (5.370m).

Acesso ao complexo Condoriri...nosso acampamento ia à frente.

Curtindo o visual do condor...

Cume do cerro Áustria (5.300m).

Carne de llama pro almoço?

A escalada é linda, o cume é bem pequeno, e o visual fantástico! Acho que deve ser uma das regiões mais bonitas da cordilheira Real. Descemos e retornamos no mesmo dia para La Paz. O Geraldo desistiu do Huaina, eu não quis tentar sozinha e também desisti. Lembro que todos passamos mal nessa viagem. No retorno da montanha tive um piriri bravo! Com isso, terminamos aproveitando os dias que sobraram para fazer os passeios que listei.

Cume do Tarija, que dá acesso ao cume do Alpamayo Chico.

Vista do Alpamayo...os pontinhos pretos na subida são cordadas. É muito legal!

Cume do Alpamayo Chico (5.370m).

No Titicaca presenciamos um naufrágio num dos barcos que seguia na nossa frente. Os barcos eram pequenos, sem segurança, e houve vítimas L! Foi horrível, e acho importante relatar isso para que os interessados se preocupem com a segurança da embarcação para esse programa, assim como de qualquer outro programa na Bolívia ;)!


DICAS

- A melhor época para escalar na Bolívia é o inverno. Apesar do frio, a condição climática na montanha é boa, talvez a região mais estável na América do Sul.
- Voei de Boliviana de Aviación – BOA, que na verdade é bem mais ou menos, mas é o melhor tempo de conexão para La Paz. Os preços são parecidos com o de outras companhias que voam pra lá.
- Viajei com a empresa Gente de Montanha, e tivemos o acompanhamento dos guias Máximo Kausch e Pedro Hauck.
- As coisas na Bolívia são baratas, mas é difícil achar produtos originais. O que vale a pena mesmo são as coisas coloridas que são vendidas nas calçadas, tendas, lojas, em toda parte no centro. Neste período pegamos a moeda local valendo metade da nossa, mas com o real desvalorizando e o dólar subindo a cada dia L!!!
- Vale muito a pena conhecer os museus e fazer os passeios mais comuns, que são vendidos em várias agências pelas ruas. Os preços não variam muito, nem a qualidade do serviço, pelo que eu pude perceber. Acho o downhill na estrada da morte imperdível!
- As farmácias têm os medicamentos mais comuns, mas não dá pra comparar com o que temos no Brasil. Por isso, leve o que puder de medicamentos que possa precisar. Nunca tomo remédios, e fiquei impressionada com a quantidade de medicação consumida pelo grupo. Nem me lembrava de ter tomado antibiótico antes...mas, quando o bicho pega, é melhor se garantir...e, na Bolívia é comum (muita diferença de altitude, comida, higiene, etc).
- É fácil conseguir carregadores nas montanhas. No Huaina eles cobram U$50 do campo base para o alto. No Illimani são as próprias famílias de Pinaya que fazem esse trabalho. Eles cobram 100 bolivianos, tipo R$50, para fazer os carregamentos. Usam as mulas de Pinaya para o campo base e as cholas e seus filhos para carregar do base para o alto. As cholas e os jovens com aqueles tecidos coloridos embrulhando um monte de coisas e chinelo velho nos pés, e nós com nossos equipamentos modernos e sofisticados...
- Vale a pena visitar os miradores para ver a cidade do alto e fazer as fotos das maravilhosas montanhas que cercam a cidade!
- A lição de casa é: garantir a independência - figurinha repetida! Como eu tenho o metabolismo muito acelerado e um gasto energético alto, precisava ter me garantido em termos de comida.


5 comentários:

  1. Parabéns Ângela pelas Fotos, pelas Conquistas e pelas Dicas!
    Você faz por Merecer porque é uma Pessoa Especial, Muito Educada e escreve Muito Bem!
    Foi um Prazer é uma Honra estar com você no HUAYNA POTOSÍ no mês passado.
    Parabéns pelo seu Blog !!!
    Abraços do Amigo Roberto Mendonça

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    1. Roberto querido! o prazer foi meu em poder conviver com você e com os outros colegas!
      Que bom que gostou do blog! os comentários e sugestões são muito bem-vindos.
      Super agradecida :)
      Bjs.

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  2. Parabéns pelo seu Blog Ângela!
    Lindas Fotos, Grandes Conquistas e Ótimas Dicas!
    Foi um Grande Prazer é uma Honra estar contigo no HUAYNA POTOSÍ mês passado e conhecer uma Pessoa tão Educada e que escreve tão bem!
    Seu Blog é um Sucesso!!!
    Forte Abraço do Amigo Roberto

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  3. Que aventura linda! Parabéns pela determinação! Bj

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