domingo, 12 de janeiro de 2014

A Saga Aconcágua

Expedição Aconcágua – 360º - 2013-2014

É sempre muito mais fácil escrever e contar as histórias quando estamos realizados, quando alcançamos os resultados desejados. Nem sempre as duras lições da montanha são fáceis de aceitar, de processar, principalmente, quando criamos uma grande expectativa.
Resolvi voltar ao Aconcágua logo no começo de 2013. Em abril garanti minha vaga numa expedição comercial aberta, com uma empresa argentina especializada na montanha. Sabia desde o começo, como sempre, de todos os riscos que corria...agenda fechada; pessoas de todos os cantos do planeta, línguas, culturas e condicionamentos diferentes; estrutura inadequada; mal tempo; etc, mas temos de apostar e acreditar que teremos sorte e que dará tudo certo!

Para aproveitar uma parte do feriado/recesso de fim de ano do trabalho eu decidi passar o natal e o ano novo (meu níver) na montanha. O povo de casa, claro, além da preocupação com os riscos da montanha, reclama também da ausência nesses períodos de confraternização, mas...vale o sacrifício para economizar dias de férias e poder viajar mais!

Saí de Brasília no dia 17dez, BSB-GRU-Buenos Aires-Mendoza...saí daqui 5hr cheguei por lá às 20:30hr (local – 1hr apenas a menos que o horário de Brasília). O piloto anunciou 38ºC!! Caramba! 20:30hr, tudo claro e 38ºC...é verão meu amigo! Minha garganta já se foi, pois, para dormir, só consegui com o ar condicionado ligado L! A sorte é que a cidade é MUITO arborizada, muito agradável pra andar, e é um calor seco.

Como não havia dormido nada na madruga do dia 17, aproveitei o dia 18 pra acertar minhas contas com a empresa, deixar tudo no jeito, e descansar, não dava pra começar a expedição detonada, e eu já vinha de uma correria danada, estava precisando desesperadamente PARAR!

Praças de Mendoza, super arborizadas...almocei num banco dessa aí :)

Oficialmente a expedição começava no dia 19, com a apresentação do guia e do grupo, revisão dos equipamentos, etc. A informação que eu tinha antes era de que o grupo tinha 5 participantes, depois mudou para 5 nacionalidades, e no final não era nenhuma das duas. Eu, um irlandês, um inglês, um casal de suecos, um romeno que mora nos USA e uma americana – 7 no total. Dois guias, Ariel e Federico (apoio). Eles foram breves, deram uma olhada rápida nos equipamentos de cada um, questionaram sobre alguma pendência com os equipamentos (te indicam a loja para alugar), e só.

Equipamentos - ahahahaha, deveria ter tirado a foto da volta, tudo absolutamente imundos! de assustar qualquer um!

No dia seguinte, 20/dez, fomos retirar o ‘permisso’ para a ascensão na montanha, e já seguimos para Penitentes, uma vila próxima à entrada do parque. No caminho paramos para almoçar num lugar bem tradicional e comemos aquele maravilhoso assado argentino!

Hotel - pousada de montanha, muito legal e ótima comida.

Na pousada de montanha, em Penitentes, já estamos a 2.700m, a paisagem é outra, vamos passando pelas montanhas áridas da cordilheira, com o rio de degelo cortando o vale. Aí, separamos o equipamento que as mulas vão levar nos duffle bags, e as coisas que vamos carregar conosco. Como as mulas vão nos ‘seguindo’ até o acampamento base (AB), só temos de carregar coisas que precisamos nas trilhas. O principal cuidado é sempre com a hidratação, fator essencial para uma boa aclimatação.


Foto típica da estrada, muita aridez, o rio cortando as montanhas.

No dia seguinte (21), depois do café da manhã, fomos de van para a entrada do parque, onde começamos nossa aventura. Como eu já tive uma experiência anterior (2006) no Aconcágua, pela rota normal, dessa vez escolhi a rota mais conhecida como Falso Polacos, onde fazemos o contorno do glaciar com esse nome para chegar ao cume. A entrada da trilha é pela quebrada Punta de Vacas, e terminamos descendo pela rota normal, fazendo uma volta de 360º na montanha.


Entrada do Parque, enfim pé na trilha!

A trilha para o primeiro acampamento – Pampa de Leñas é muito tranquila, o problema todo foi o sol rachando na nossa cabeça todo o tempo! Chegamos, montamos o acampamento, tinha água fácil, o lugar era bem legal. Usamos uma mesa de madeira que fica ao lado da cabana dos guarda-parque e tivemos um assado argentino fantástico de jantar, a 2.950m de altitude. Nesse acampamento conheci um grupo de 5 clientes brasileiros, guiados pela Grade 6, de Campinas, também a caminho do cume. Fiquei super feliz de ouvir português e adorei a galera do grupo. Os guias brasileiros Carlos e Areta são demais, outro astral!

Ops! companhia na hora do lanche ;)

No começo achei estranho sairmos mais tarde para as trilhas, pegando o sol do meio dia sempre. Depois, entendi que se saíssemos mais cedo, chegaríamos mais cedo e só teríamos a nossa barraca fritando ao sol para nos abrigar...e entre estar na trilha, ou sentado ao sol ou dentro de uma barraca assando (se não tiver vento) acho que é melhor mesmo estar na trilha...

Primeiro acampamento - Pampa de Leñas.

No segundo dia (22), trilha super tranquila, chegamos em Casa de Piedra – 3.240m, montamos o acampamento, descansamos, comemos, tempo muito bom. Até o AB temos ‘banheiros’ para as nossas necessidades, depois temos de usar sacos plásticos para coletar os sólidos e todos os dejetos devem ser carregados para baixo, nada de lixo deve ficar na montanha. Para isso, tivemos a ajuda de carregadores na equipe. Na primeira vez que estive lá, nós recebíamos um saco plástico numerado para o número 2, e deveríamos carregar este saco e todos os demais lixos que gerávamos e depositá-los na saída do parque. Agora, as empresas estão se encarregando disso...Não vi nenhuma supervisão, e isso faz com que haja oportunidade para pessoas não tão conscientes, que não respeitam as regras, sujarem a montanha.


Trilhas de aproximação, indo para o segundo acampamento - Casa de Piedra.


Primeira visão do cume!!

Seguimos para o AB – Plaza Argentina – 4.200m, 23dez. Aí sim, tínhamos infraestrutura J...imaginem, temos banho (U$ 20), internet (U$ 3/min), domos maiores (com mesas, pratos, talheres, etc) para nos abrigar, e há um clima de integração maior com os demais colegas que trabalham nos acampamentos e com os montanhistas de outros grupos. Tive uma dor de cabeça super forte depois de armar a barraca, chegou a gerar ânsia de vômito :/. Fui ao médico (isso mesmo, no AB tem médico) e me deram um comprimido de paracetamol e um remédio pra enjoo. Não consegui comer absolutamente nada nesse dia, mas passou...

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Pôr-do-sol no segundo camping, é muito lindo - as montanhas parecem pegar fogo com a luz vermelha do pôr-do-sol.

Passamos o natal no AB (24-25dez). Abriram champanhe, tivemos um jantar especial, um pôr-do-sol lindo, e logo depois – todos nas barracas! Teve festa do pessoal que trabalha no acampamento, mas não me meti a dar as caras, nem fomos convidados! O pessoal de apoio é bem legal, o Andreas, chef responsável pela comida, é colombiano; o Beto, que fica no rádio/internet, cuida da organização das coisas; tem os carregadores; os caras das mulas; é uma logística bem trabalhada para não faltar nada.

Acampamento base - AB, o ponto de pouso do helicóptero era na frente da minha barraca - essa aí que aparece na foto...

Pôr-do-sol no Natal! o frio chegou!!

Eu fiquei sozinha numa barraca. Éramos 7, as barracas, em regra, são divididas por uma dupla. Como tínhamos um casal de suecos, e um casal de amigos de outras montanhas, sobrou eu de mulher e fiquei sozinha. Aliás, me senti muito sozinha nessa viagem o tempo todo. Nem sempre me adequava às brincadeiras e ao jeito gringo de ser. A língua foi, com certeza, um entrave. Meu inglês é bom, mas tenho o sotaque brasileiro, e sempre há a necessidade de uma boa vontade de ambas as partes para se comunicar. Não achei legal algumas brincadeiras com meu sotaque, ou com palavras não entendidas. É uma situação na qual ou você brinca o tempo todo, leva numa boa, ou enche o saco e termina deixando pra lá. Acho que a minha tendência é mais pra me isolar nesses casos. Não é arrogância, mas um sentimento de que não vale a pena – melhor ficar na minha. Algumas pessoas no grupo eram muito queridas, outras nem tanto. Na verdade éramos um grupo, não uma equipe. Numa expedição aberta, com pessoas de todos os cantos do planeta, não dá pra querer muito mais do que isso na montanha...


Café da manhã no domo...



Barraca cozinha, com o chef Andreas :)

Outra coisa complicada pra mim é a questão dos equipamentos. Quase tudo que eu tenho comprei pela internet. Não há lojas de roupas, acessórios e equipamentos para montanha em Brasília. É possível encontrar algumas coisas, mas, praticamente tudo que tenho consegui com a ajuda de amigos que trazem dos USA, ou com entrega direta de sites americanos. Com isso, minhas roupas são enormes pra mim, o Médio americano é quase um GG pra mim L, e algumas coisas que chegam não eram bem o que você estava esperando...é sempre uma aventura comprar equipamentos assim! Enfim, além de não ter equipamentos tão adequados (tenho plena consciência disso!), também não estava na montanha para fazer um desfile de moda. Fiquei impressionada com a diversidade e com a qualidade do equipamento deles...

Essa é uma situação bem complicada, tendo consciência de que alguns equipamentos não eram tão adequados, como minhas luvas mittens, que não eram de pena de ganso (e eu morro de frio!), o meu casaco de pena de ganso não tinha capuz, eu não tenho as viseiras (goggle)....coisas que, dependendo da montanha não fazem diferença, é possível utilizar na boa, mas para o Aconcágua é bem complicado, principalmente pegando tempo ruim, que é a regra! Esse é um problema para todos os montanhistas brasileiros. Poucas opções no Brasil, o jeito é aproveitar as viagens para comprar algumas coisas (não é o caso da Argentina!) ou fazer viagens para comprar equipamentos (tenho pensado nisso...).

Separando a comida para os acampamentos altos...

O segredo do aquecimento é sempre o uso de várias camadas. Porém, não adianta ter camadas que não se ajustam bem, ou de material não tão bom. Tudo, absolutamente, tudo faz diferença com tantos detalhes e tantas variáveis numa expedição dessas. O mínimo de conforto que você consegue após vários dias numa barrava lavada pelo vento faz muita diferença! Encontrar com os brasileiros, pra mim, era o máximo!!! Oportunidade de trocar uma ideia com gente que eu confiava, além de relaxar e me divertir.

Conforto no AB, os domos eram espaço para relaxarmos em vez de ficar fritando nas barracas...

Bom, voltando para o caminho...no AB já ficamos sabendo que as condições climáticas não eram nem um pouco favoráveis para a data que prevíamos o ataque ao cume – 01jan. Estavam prevendo ventos fortes, numa média entre 60 a 90km/h para os dias 30, 31/dez, 1º/jan, e no dia 02jan começariam a diminuir. Nossa agenda tinha 2 dias extras para o caso de mal tempo. Como o cume estava previsto para o dia 1º, poderíamos tentar no dia 03jan, dentro da nossa agenda. Com essa informação, resolvemos passar um dos dias extras no AB – 4.200m, ao invés de subir para o Campo 1 – 5.000m. Passaríamos o segundo dia extra no Campo 2 – 5.400m, e depois subiríamos para o Campo 3 – 6.000 e ataque. A única coisa boa nisso é que estaríamos bem aclimatados! A partir do AB estamos em alta montanha, e aí, tudo muda! 

Plano inicial de ataque, antes de inserir os dias extras.

Fizemos o porteio que estava previsto para o Acampamento 1 e retornamos para o AB (25dez). No dia 26 descansamos, foi o dia de tomar banho e ligar pra casa!! Tinha tentado nos dias anteriores sem sucesso. É ótimo falar em casa pra matar a saudade!! No dia seguinte (27) fizemos uma subida ao cume do Colorado – 5.000m, com uma vista muito linda da face sul do Aconcágua...isso pra não ficar ‘sem fazer nada’ no AB, ‘aproveitando’ um dos dias extras!

Subida do Colorado, dia lindo!

Chegando no cume, com a vista do Aconcágua no fundo.

Face sul, com os pontinhos ao lado = AB.


Todos os dias foram essa agonia de checar o tempo pela manhã e no final do dia. As previsões continuaram ruins, e o tempo ruim foi se prolongando e a previsão se alterou, com os ventos fortes permanecendo pelos dias 02 e 03/jan. Isso complicaria nossa vida, talvez, inviabilizando uma tentativa para o cume. Nossa rotina era seguir a programação da subida, considerando a alteração dos 2 dias extras, e aguardar novidades. O tempo muda muito rápido e é preciso estar sempre 'pronto'.

Campo 1 - 5.000m, minha barraca ao lado do pequeno rio de degelo, com os penitentes (essas formações pontudas no gelo, formatadas pelo vento) no curso.

Nos acampamentos altos a rotina é praticamente ficar na barraca :(! Sol e vento forte do lado de fora, ter de colocar as camadas de roupa e as botas duplas para sair não é tão animador...tentei usar minha bota interna para alguns passeios fora da barraca, ajudou bastante! Não sei se isso pode estragar a bota, acho que não, me disseram que foi feita pra isso, mas não vi muitas pessoas as utilizando desta forma. Na verdade, alguns colegas do grupo tinham sapatos de pena de ganso para sair, um dos guias tinha uma armação de fitas e velcro que envolvia a bota interna, achei super interessante, mas imaginem se acho isso pra comprar por aqui – kkkkk! Até pra descobrir tive de viajar pra montanha...acho que preciso procurar mais informações sobre equipamentos e acessórios na internet :/

Muitas pedras para 'segurar' as barracas...

Na verdade, passei aí um longo período longe das altas montanhas. Comecei em 2003 com o campo base do Everest, fui a cada ano seguindo para montanhas em países diferentes, até 2009, quando estive na Cordilheira Blanca - Peru. No final de 2009 fiquei desempregada, e tudo mudou bastante na minha vida até o começo de 2012, quando voltei a trabalhar. Foi nesse período que iniciei esse blog, fiz algumas viagens pelo Brasil, deixando as montanhas (muuuuuito mais caras) para quando das condições normais de vida voltassem. Isso só aconteceu este ano (ops, 2013!), e retomei a minha saga Aconcágua!

Café da manhã, e demais refeições, na barraca...

No dia 28 subimos para o Campo 1 – 5.000m. No dia 29 ‘descansamos’. No dia 30 porteamos para o Campo 2 – 5.500m e voltamos para o Campo 1. No dia 31 subimos para o Campo 2, passamos o Ano Novo lá e ficamos mais um dos dias extras (01jan), como planejado, aguardando novidades sobre o clima/vento. Porém, como a previsão de tempo ruim se estendeu para os dias 02 e 03, ficamos ainda mais um dia a 5.500m.


Subindo para o campo 2...dá uma espiada na inclinação :)

Parada numa travessa, para acesso ao Campo 2.

No dia 31dez, meu aniversário, estávamos na nossa espera no Campo 2, 5.500m, o tempo frio, vento forte, cume fechando, de vez em quando encoberto com nuvens. Era fácil ver que as coisas lá em cima não estavam nem um pouco boas! Sem chance de subir!!! Pra minha sorte, os brasileiros estavam nesse acampamento, e pude passar a noite de ano novo numa barraca com mais 8 colegas, fazendo uma verdadeira festa na montanha. Festa esta, claro, ouvida por todos os demais colegas das outras poucas barracas estacionadas ali! Agradeço a Deus essa oportunidade de estar na montanha e de ter amigos ao meu lado para comemorar!

Meu niver...na barraca dos brasileiros (do Carlos) da Grade 6! Ufa!! Graças a Deus eles estavam por lá para evitar uma noite silenciosa e vazia na barraca!

Aí já tinha rolado uma troca de turno, agora com os brasileiros!

Nos dias seguintes vimos o helicóptero sobrevoando a área e a região do cume. Muito estranho o helicóptero nessa altitude! Como é muito difícil ter sustentação no ar rarefeito, deveria ser algum resgate ou situação de emergência. Ficamos sabendo que buscavam dois colegas americanos que estavam no Campo 3, haviam cruzado conosco antes, e em princípio iriam escalar o Glaciar dos Polacos. Desapareceram...simples assim! Com o tempo do jeito que estava não dava pra ninguém arriscar nada, nem subir para o Campo 3 – 6.000m, pois o vento estava arrancando qualquer coisa do chão! Eu então, com o meu peso pena, nem preciso de muito pra desequilibrar!!

Continuamos na ansiedade pelas previsões do tempo. Eu estava sempre de orelha em pé nos rádios que os guias passavam, e nas escutas com as previsões dos outros grupos. Como o mal tempo estava se prolongando, a previsão já era de tempo ruim até o dia 03, e de janela apenas no dia 04jan. Com essa previsão, minha esperança era de que o guia prolongasse a expedição, saindo da agenda normal, e tentando cume num dos dias de descida. Conversei sobre isso com o nosso segundo guia no dia 31dez, ele me disse que não achava possível descer toda a montanha em apenas um dia. Já teríamos gasto nossos dois dias extras, e os dias 4 e 5/jan eram os dias de descida, de retorno para a entrada do parque, e isso já é bem puxado. Eu achava que poderíamos tentar o cume no dia 04jan, e desceríamos toda a montanha no dia 05, mesmo chegando à noite na entrada do parque....depois do cume valeria tudo!


Campo 2 - 5.500m. Esse aí é o Glaciar dos Polacos, com o cume atrás.

Vista das montanhas em volta do Campo 2.

Mesmo para o dia 04jan havia uma previsão de nevasca depois do meio dia, mais para o final da tarde. Ou seja, era uma janela mesmo, no final do dia 04 o tempo já fechava de novo. Impressionante, tudo muda muito rápido em alta montanha...é preciso ser prudente para arriscar, são muitas variáveis envolvidas. E, além de estar preparado, é preciso ter SORTE!

Saindo do Campo 2 para o Campo 3 - 6.000m

Enfim, o guia resolveu se manifestar (02/jan) sobre as nossas chances...chamou a galera para fora das barracas e disse que poderíamos tentar o cume no dia 04jan, fora da agenda normal da expedição, com a condição de sabermos que a exigência física seria muito alta, uma janela muito curta, e teríamos de iniciar a descida do Campo 3 para o AB ainda no mesmo dia, depois de retornar do cume...FODA! muita gente desce desfalecida do cume, sem vontade de fazer nada, isso é normal.

A proposta era diferente do que eu havia pensado, pois, com tempo marcado para atacar e descer a coisa muda muuuuito! Em regra, as expedições demoram de 8-12hr para chegar ao cume, alguns demoram até mais. Acho que eu chegaria perto das 10hr para conseguir. Acredito que no dia do ataque, o que deveria contar era o limite máximo de horas para que você descesse com segurança, ainda com luz (que vai embora por volta das 21-22hr). Esse é “o dia” de juntar todas as forças, todas as vontades (e ter motivação e apoio para isso é fundamental!), muito autocontrole para vencer as dificuldades que aparecem a cada instante.

Subindo para o Campo 3 - 6.000m

No dia 03/jan subimos com tudo para o Campo 3 – 6.000m e era o dia/madrugada do ataque 04/jan. Depois de vários dias morgando nas barracas esse dia passou super rápido! Além da subida para o acampamento 3, arrumar tudo, tentar descansar um pouco com muita ansiedade, tudo isso é MUITO complicado. Acordamos às 2hr para sair às 4hr.

Bom, saímos no dia 04/jan às 04:10hr. A proposta era retornarmos em no máximo 12hr, descansarmos um pouco e descermos aí mais umas 4-5hr até o acampamento base, chegando lá ainda com luz. A inclinação da montanha no começo é de uns 55º - muito forte, e acho que continua assim. Depois de um tempo de subida, não sei exatamente quanto, um colega desistiu, se sentia mal, estava meio gripado. Continuei seguindo o grupo, estava por último, aí comecei a ficar um pouco para trás, sempre alguns passos, mas o guia impôs o ritmo, e sempre que eu começava a atrasar ele parava e perguntava o que estava acontecendo. Eu disse, lá pela terceira vez, que precisava seguir num ritmo mais lento, estava me esforçando demais e com isso precisava parar de vez em quando para respirar, o que era muito pior que reduzir um pouco o ritmo. Aí o guia me disse que não poderiam reduzir o ritmo, que eu teria de seguir o ritmo do grupo ou desistir, pois não faríamos o cume no tempo necessário com o meu ritmo....simples assim também, tive de desistir. Se ainda no começo já estava atrasando, no final seria muito pior!

Campo 3 - 04/jan/2014, o tempo já começava a mudar.


Na verdade, durante toda a escalada da montanha eu sentia o grupo mais forte que eu, mas era possível seguir o ritmo deles. O grupo era sempre mais rápido que os demais, e isso era natural para a maioria, e motivo de gabação. Eu não achava nenhuma vantagem forçar o ritmo o tempo todo, mas era possível, na maioria das subidas. Infelizmente, no dia do cume não dava para forçar mais. Além de toda condição psicológica, que não é fácil, as dificuldades técnicas, e ainda pressão pelo ritmo forte, foi demais. Quando cheguei de volta no acampamento estava sentindo muito frio! Acho que do esforço da subida e da descida, e do stress, transpirei muito, a roupa estava toda molhada e me ajudou a esfriar muito rápido. Cheguei chamando pelos colegas que ficaram e pedi ajuda para me aquecer! Foi horrível, aquela sensação de dormência e dor nos dedos das mãos e dos pés. Graças a Deus, passa!! E agradeço a ajuda do Sean! Fico mais triste porque não desisti, desistiram por mim...eu não estava esgotada, tinha condições de seguir numa condição mais 'normal'. 

Outro problema que tive foi com a bota dupla (que comprei pela internet...), escolhi um número maior - 42, pois já havia experimentado um pouco menor (41,5) e achei meio apertada com duas meias grossas. A 42 ficou folgada, o meu pé tem muita mobilidade no interior da bota, e isso também dificulta colocar e tirar a bota interna. Na verdade, uma verdadeira novela pra mim! Além de não aquecer o pé, como deveria. Eu sou muito magra, mesmo com dieta de engorda antes da viagem não consegui muita coisa. Isso ajuda a complicar bastante a questão do frio :(

Descida para o AB - Plaza de Mulas, logo depois de Berlim.

O grupo fez o ataque/cume e voltou para o acampamento 3 em ~11:20hr. Às 15:30hr os suecos apareceram e logo depois os outros 2 colegas que fizeram o cume (4 do grupo de 7). Estavam bem, mas exaustos...normal! Parabéns galera! Quando a gente estava desarmando o acampamento para descer para o AB, umas 2:30hr depois que eles chegaram, começaram a aparecer os primeiros montanhistas de outros grupos retornando do cume.

Perguntei para os guias e me disseram que cruzaram com os brasileiros quando eles estavam descendo, e que não sabiam dizer se chegariam ao cume pelo ritmo deles. Normal...como os demais grupos, acho que chegariam, ninguém estava apostando corrida para o cume! Li no site da Grade 6 que eles fizeram o cume – parabéns amigos!!! Compartilho da alegria de vocês J. Acho que fizeram numas 10hr de subida, mas não tenho mais detalhes do ataque e da descida...

Pôr-do-sol na descida - El Cuerno.

Pra mim essa é a imagem mais tradicional do Aconcágua, o pôr-do-sol na face oeste, que é vista pela rota normal.

Descemos até o AB, chegamos lá um pouco antes do anoitecer, foi o tempo de entrar no domo e escurecer. A descida toda muito forte, mais lenta do que haviam previsto, descemos pela rota normal, passando por Berlim, Nido, Canadá, e chegamos à Plaza de Mulas, o maior AB da montanha. Esperamos um dos colegas chegar e tivemos vinho, cerveja, suco, pizza para comemorar! Eu já estava congelando nessa altura do campeonato, as roupas todas encharcadas com o esforço da descida, e como chegamos e não fomos montar barraca e trocar de roupa, estava com bastante frio! Felizmente, tinha um ‘domo’ dormitório, com alguns beliches e não tivemos de montar acampamento lá. Isso ajudou bastante naquela altura do campeonato!

Amanhecer em Plaza de Mulas. O sol demora para aquecer as barracas!

No dia seguinte – 05jan, encontrei outros brasileiros no acampamento, de outros grupos que se agregaram conosco para descer. Alguns haviam tentado o cume e desistiram, outros, desistiram por saudades da família J. Organizamos as mochilas, duffles, lanches e começamos a descida por volta de 10hr. Era notável o desgaste da maioria dos colegas, acho que para a maioria já tinha mais do que dado, todos precisavam, literalmente, ‘voltar pra casa’!!

Entrada de Plaza de Mulas - 4.300m.

A descida forte detonou com meus pés! Aliás, acho que a bota vencida contribuiu, pois já havia feito um super estrago nos meus pés nas trilhas pela chapada. Cheguei no final da descida quase sem pisar! Tinha bolhas gigantes entre o calcanhar e a sola do pé, e algumas unhas gritando de dor! Outro colega do grupo também teve esse problema, estava ainda mais devagar que eu, e dava dó de ver!!

A rota por Plaza Argentina tem mais verde, mas menos flores que a rota normal.

Amplitude, aridez, caminho de volta...é dureza atravessar a playa ancha!

Assim que encontrei com meu duffle, em Penitentes, no caminho da volta, onde ficamos esperando as bagagens que chegaram lá de mula, coloquei a papete no pé e dei uma olhada no estrago L! Meu pé estava tão inchado que não estava nem entrando direito nas Havaianas quando cheguei no hotel!!! Resumindo, foi com elas mesmo que voltei pra casa!!!

Quase sem pés! enfim, Laguna Horcones, a entrada padrão do Parque, fim da aventura!
Lá no fundo o branco do Aconcágua...

Chegamos em Mendoza por volta de 23:30-00:00hr. Ninguém queria fazer nada, só descansar, mas eu precisava COMER!!! Affff, não sou gente sem comida....tomei um banho e fui até a esquina, num restaurante mexicano, pedi um super ‘podrão’ – aqueles sanduiches que têm de tudo, uma montanha de comiga, uma cerveja escura (a melhor que já tomei na minha vida!!) e depois fui dormir feliz :D!

Na verdade, cheguei no quarto e tive de dar uma geral nas bagagens imundas, e ajeitar as coisas para voltar. Quanto menos coisas pra carregar, melhor! Resumindo, acho que dormi umas 3hr e já estava levantando para pegar meu voo que saía 9hr, 06jan, de Mendoza para Buenos Aires. Deu tudo certo!

Infelizmente, não tive tempo para as famosas compras...que, no caso, seriam vinhos e alfajores. Consegui comprar alguns no free shopping, e só. Sem maiores delongas, afinal, não viajei pra isso, e as coisas não seguiram tão dentro do planejado na agenda. Os amigos que vierem em casa terão alfajor para adoçar o dia :D!!

Nestes primeiros dias de volta estou me sentindo ‘passada’. É muita mudança em muito pouco tempo. Dezoito - 18 -  dias na montanha é muito tempo em ‘outro planeta’!! Ainda não estou conseguindo usar sapato fechado, os dedos das mãos ainda estão meio insensíveis, ainda estou gripada (desde o começo da viagem, com o calorão em Mendoza!), mas dia 07 já estava trabalhando!!! Bom, agora é dar tempo ao tempo....essa semana não fiz absolutamente nada do que não fosse mesmo necessário. A ideia é só recuperar as energias pra começar de verdade o ano daqui a pouco J.

Talvez esse texto tenha ficado meio rancoroso, não sei, aborrecido, pois o meu astral não está dos melhores. Estou muito frustrada com esse resultado, e não consigo esconder isso. Normal, quando se cria muita expectativa, muita preparação, muito investimento. Mas, como tudo na vida, sempre temos várias lições para aprender, e com calma vou absorvendo cada uma delas para me preparar melhor para as próximas aventuras! Na verdade, temos nenhum, ou quase nenhum controle sobre as variáveis no montanhismo. O que precisamos trabalhar é só com a gente!

Que Deus nos abençoe todos com um 2014 cheio de alegrias e aventuras! Agradeço de coração aos amigos que colaboraram, torceram, trabalharam pelo sucesso da minha viagem. Essa participação é muito importante e a aventura nunca seria a mesma sem ela! OBRIGADA!!! :D


Outros comentários e dicas:

- Água: até o acampamento base temos água encanada nas bases dos guarda parques. No AB a empresa coleta água, e nos campos altos os guias derretem o gelo. Do AB para cima a água é totalmente demineralizada, e eles indicam o Tang pra dar um gosto na água, porque de sais minerais ele não tem nada! é tanto Tang que no final da expedição a gente parece que já está ficando laranja! Bom, brincadeiras à parte, levem hidrotônicos. Levei, mas não usei purificadores na água, tô de boa!! 

- Comida: pra quem tem fome toda hora (como eu), mesmo sem muito apetite na montanha é interessante levar outros lanches (barrinhas, castanhas, frutas secas, etc).

- Equipamentos: PROBLEMA pra mim, imagino que para uma boa parte dos brasileiros que não viajam pra comprar equipamentos. Na dúvida, aluguem!! me arrependi de não ter alugado as coisas que não estavam Ok!
Lista da Inka: http://www.inka.com.ar/aconcagua-expeditions/aconcagua-360%C2%BA/aconcagua-360%C2%BA-%C2%B7-equipment/

- Cidade: Mendoza é muito legal! dessa vez achei a cidade mais vazia, e com fama de perigosa...realmente, vi muito mais guris querendo cuidar de carros e alguns perdidos nas praças, mas não achei 'perigosa'. A cidade tem um esquema de canais para irrigação e para coletar água, é muito interessante. Quem não conhece acha que simplesmente esburacaram a cidade à toa, mas funciona muito bem! No meio do deserto temos uma cidade super arborizada! E as árvores são gigantes, chegam a fechar em cima nas avenidas...é muito lindo! Pra comer não tem jeito, assado! Pra beber pode ser qq coisa - vinhos fantásticos, cerveja, tudo...e os cafés também são ótimos com as media lunas, o expresso e os doces de leite :)
Fiquei hospedada no Condor  Suites - muito bom, e bem localizado!!!
No mais, não tive tempo de visitar nada :(

- Contatos: depois dessa experiência com gringos recomendo as empresas brasileiras. Ter um bom grupo é sempre o mais desejado nesse tipo de aventura, e isso não tem como garantir, com nenhuma empresa!! Apesar de não ter viajado com a Grade 6, achei a estrutura deles muito boa! Cinco clientes e 3 guias, barracas, comida, atenção...enfim, muito melhor do que eu consegui, além da alegria dos brasileiros! Também conheci o Maximo Kausch nessa viagem. Ele tinha um grupo de 11 pessoas, todos gringos e um brasileiro, que desceu conosco. Todos os clientes fizeram cume, menos o brasileiro. Ele tem feito um trabalho maravilhoso de mapeamento de todos os 6.000 dos Andes, com certeza tem muita experiência!

- Medicamentos: a maioria dos colegas levou tudo que poderiam precisar. Como eu nunca tenho nada nem sei o que levar, mas recomendo levarem os medicamentos básicos. Os guias evitam dar qq tipo de medicamento, até uma aspirina! Aí, se não conseguir com os colegas terá de ir ao médico :)
Nisso preciso melhorar, e ter uma lista básica de remédios para a montanha!!

** Depois talvez poste mais fotos. Videos não, pra não virar piada nas redes sociais :)

Mais fotos, essas da Stacey Scarborough, que é fotografa!

Acho que aí foi quando chegamos em Plaza Argentina.

Indo para o campo 2 ou 3...

Foto do cume.

Campo 3 - Cólera, quando chegamos.

Foto do AB no natal com os outros grupos que estavam por lá.


4 comentários:

  1. Parabéns pelo relato franco e muito informativo. Tenho certeza que você voltará lá e chegará ao cume do Aconcágua, meta que também tenho. Também moro em Brasília e cheguei a seu blog depois de uma busca no google pela trilha Indaiá-Itiquira, que fiz ontem pela décima vez. Um abraço,

    Márcio

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    1. Oi Márcio!! fico feliz que tenha gostado da postagem :)
      Se precisar de alguma informação ou quiser trocar uma ideia sobre a montanha é só falar! Abçs, Angela.

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    2. Estou começando a me organizar para fazer, com minha esposa, o circuito maior (acho que são 5 dias) de Torres del Payne, Argentina, no segundo semestre. Por enquanto só tenho informações de uma colega de trabalho que esteve lá saindo do Chile, mas parece que saindo da Argentina é um pouco mais barato - tenho de confirmar essa informação. E você, tem alguma dica interessante perto de Brasília? Pode ser longe também. Minha "especialidade" é a Chapada Diamantina, lugar que procuro visitar pelo menos uma vez por ano. Abração!

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  2. Oi Márcio! vocês vão adorar, a Patagônia é um dos lugares mais bonitos que já conheci. Fui em 2000 e tb fiz as trilhas do Torres del Paine, é o lugar mais bonito da região. Na época comprei um ticket de 6 trechos para voar no Chile - não sei se ainda existe e fiz o Chile de ponta a ponta, até Arica, subindo para o Peru. Foi fantástico. Como tem tempo, não sei se acho minhas anotações, mas vou dar uma olhada pra ver se tenho dicas pra dar.
    Perto de BSB, tem as cachoeiras da chapada da contagem/imperial, Indaía, e que eu tenha ido mais recente nada...qq coisa aviso!
    Eu tirei esse semestre para relaxar e viajar o máximo que conseguir. Tirei 10 dias de férias e vou pra Península de Maraú...um paraíso na BA, e estou vendo agora de passar o feriado da Páscoa no Jalapão. Montanhas, ainda estou avaliando e esperando alguns amigos se animarem.
    Vamos nessa, na medida do possível vivendo e aproveitando cada dia! Abçs!!

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